Poeta
da Amazônia, Thiago de Melo disse ‘o caminho não existe, o caminho se faz
caminhando’. Freud já havia nos adiantado que os poetas sabem de psicanálise e
das questões do inconsciente, sabem tanto que escrevem e fazem arte e laços com
elas. Entretanto eles não sabem que sabem. Freud utiliza da fábula do Esopo
para apontar que a travessia é relativa aos passos de quem caminha e que a
relação com o que chamamos de destino depende deste posicionamento.
Quanto
ao dizer poético de Thiago de Melo, se este recorte não fosse somente um verso,
seria um aforismo. O caminho é uma parte do desejo, não se caminha se não
desejar. Para caminhar é necessário ao sujeito a permissão de ir e vir, uma
passagem ao ato em sua própria escolha. São as escolhas que transformam ou
alicerçam toda uma personalidade. E escolha é uma decisão política. Ato
contínuo. Ato político.
A
sabedoria dos gregos instaura uma cosmovisão de que o homem é um ser livre e
que o pensar remete ideias de liberdade, ilusões de desejos, de onde vem a
ideia das polis e das cidades governadas sob o princípio de que todos se servem
juntos e são servidos. A cada cidadão cabiam direitos e deveres e eram
exercidos com parcimônia e transparência. O termo Política é a síntese da boa
governança. Seus desdobramentos, porém, são pontos para análise, pontos de
atravessamentos humanos.
Cabe
ao homem a difícil e trágica escolha. Ser ou estar. Numa analogia a
Shakesperare que escreveu “Ser ou não ser, eis a questão”, a contemporaneidade
remete-nos a uma complicada relação conosco e com outro. Em atenção à ética
grega, vem o dilema: Eu sou? Eu estou? Sou um ser político ou estou um ser
político? A diferença se traduz na acepção semântica interposta pelas duas palavras.
O
ser político se insere em seu meio como um engajado a participar, cultivar,
alargar, agregar oportunidades para si e para o outro. Ética grega. E em
trocadilho: não estaria a aplicação política falando em grego? Esse é o desafio
da alteridade no campo político. Desafio, pois, da forma que é conduzida a
gestão política em nosso país cada vez mais fica evidenciado a postura egóica
do político em exercício, bem como o estilo populista do agir politicamente.
Por vezes não executam a política e sim o ego. E para não fugirmos da
responsabilidade, pois falar não é sem consequência e se posicionar na política
também não, o que fazemos são manifestações políticas ou procissões de egos?Novos
caminhos
Durkeim,
um dos pais da sociologia, diz que o ser humano encontra regras de conduta que
não foram criadas diretamente por ele. Algo cantado por Titãs na música Estado
Violência. O ordenamento massacrante do superego. Elementar. A Política é a
ciência capaz de impor ao homem regras não criadas por ele e estas serem
praticadas até hoje. A constituição da Inglaterra data de 1215 e os ingleses
vão muito bem obrigado. Por um lado, a existência da regra torna-se o homem
regido por uma lei, por outro há um impulso em derrubá-las. Freud apontava que
o supereu, instância de cunho moral do aparelho psíquico, oferece contorno, mas
é ambivalente, ao que protege, ameaça. Quanto ao impulso de derrubá-lo, Freud
trabalha seus detalhes em Totem e Tabu no mito primevo. Aqui, reside o encontro
das águas, de certa feita, o homem ser político atual não estar acordado com as
regras vigentes, pois estas não atendem suas conveniências. Faz-se necessário
buscar o caminho que leve a satisfação do querer moderno. O prazer de um lado,
e suas adaptações de outro faz perder algo de sua essência.
O
querer torna imperativo na conquista do espaço, na influência política, no
aninhar de ideias que vão produzindo cada vez mais políticos preocupados com
seu status quo do que, literalmente, com a vocação do ser político.
Em
Guimarães Rosa, saboreamos “quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.”
Eis uma tratativa em nos dizer que qualquer escolha que tomarmos, sempre nos
apontaremos para aquilo que nos é base, a nossa convicção, e aquilo que é nosso
desejo, a nossa convivência. Fronte a esta política, que a convite de Rosa não
poderemos recusar a travessia e que não podemos fugir de nós mesmos, como nos
posicionamos?
Voz política no Brasil
Não
é da absurdez das coisas saber que o momento político brasileiro vai delineando
contornos preocupantes. Já é discurso ultrapassado se é esquerda, ou direita.
Nem mesmo comunistas metem medo. Militares, um retrato na parede, apesar de
bandeiras nas janelas. Todas essas ideologias foram substituídas pela incrível
capacidade de político se entregar a jogos caros de corrupção.
Rubem
Alves compara o político a um jardineiro. Este cuida do jardim, local
aprazível, de liberdade e poesia. O jardim é uma extensão da casa. O político
cuida da casa. A casa é de todos. Cuidar é governar. É buscar soluções para
conflitos, uma resposta para um dilema de alguém. O jardineiro com seu talento
vai montando seu jardim, é algo restrito. O político é irrestrito, sua
capacidade de se fazer o jardineiro de todos consegue suprir a falta, superar o
desemparo. O sujeito é um ser da falta. O seu dilema é o desamparo. A política
não pode fazer cessar o desejo, o lugar de sujeito e tampouco sua voz!
O
cenário contemporâneo das relações humanas do Brasil e do mundo, nos últimos
tempos, assim como historicamente, nos permite pensarmos o que é fazer
política. Para tratarmos da política de um país e modelo de civilização é
necessário termos estudado sua História. A história de vida de um país nos diz
muito de seus mal-estares e configurações sociais.
É
uma luta o ganho político! Não foi nada fácil chegarmos até aqui, termos
conquistados o espaço para a voz e para a posição de sujeito nas decisões
sociais. É suada a pedra angular no qual repousa a civilização. É uma batalha
de sangue a aquisição do poder, da decisão e do movimento de uma nação.
O poder
quando dividido a todos, tal como nos escritos da democracia, leva também a
responsabilidade a todos e dela não podemos fugir. Temos vozes e temos que nos
responsabilizar por elas, caso queiramos fazer política e nos posicionarmos nas
construções que desejamos. Na política também é válida a indagação freudiana
“qual sua participação naquilo que você se queixa?” (Freud, 1985) Este é um
enigma ético para pensamos o lugar do sujeito na política, seja na política de
seu sintoma, seja na política dos laços sociais.
A
Política das Massas
A
psicologia das massas obstrui a análise do eu e é preciso escutá-la. Política
se faz nas beiras e eiras da linguagem, dos afetos e suas propagações. É
preciso falar e escutar para fazer política, caso contrário será dispêndio de
um gozo, ainda que em meio a uma massa, egoísta nas plataformas da civilização
que rompe com os laços sociais. Ainda que em meio a uma massa esse gozo egoísta
poderá fazer “eco-ações” e descer degraus na civilização.
Ao
falarmos de gozo em psicanálise estamos necessariamente falando de algo com
caráter egoísta, satisfatório e destrutivo em si mesmo. Trata-se de uma
satisfação exacerbada de um ‘Mais Além do Princípio de Prazer’ que obedece
apenas os regimentos daquele corpo habitado psiquicamente pelas pulsões que lhe
move. O gozo desconsidera o caráter político, desconsidera o lugar do outro. O
gozo, advento pulsional, desconsidera o social, não faz laço e busca a qualquer
custo certa destruição para satisfazer-se. Com gozo não se faz política, ainda
que na política tenha quotas de gozos. O gozo é o excesso pulsional desabitado
de linguagem, busca em seu traçado a destruição e uma economia libidinal
zerada. A dita política do ódio, por exemplo, é uma destruição do fazer
política, das vozes e das construções sociais.
Manifestações
O
ato de manifestação é legítimo e necessário. Ainda que demande certo cuidado,
podemos fazê-lo hoje em dia – mas nem sempre foi assim. Em psicanálise, temos
que a manifestação deve ser escutada e elaborada após ser levado à clara por
palavras o conflito do desejo. O mesmo acontece com as histerias e assim
acontece com a política. A manifestação diz da posição do sujeito. Manifesta-se
algo do desejo, da insatisfação, do conflito, da busca por algo novo. É o
inconsciente ganhando ato, manifestado em ação e, neste caso, é necessário
escutá-lo para algo no avanço político elaborar.
Podemos
usar a manifestação de várias formas: para gozar, para promover meios ao desejo
ou para relatar pedidos de socorro em formações inconscientes, algo do tipo do
desamparo, “pai, não vês que estou queimando?” (Freud, 1900).
Em
política também estabelecemos relação com a lei, com a ordem, com o superego e
devemos fazer algo nosso com aquilo que herdamos dos restos do trono, proposta
ética esta que Freud herdou do poeta. Temos uma formação de compromisso com a
sociedade em que vivemos, e formação de compromisso em psicanálise nos faz
pensarmos em uma retificação subjetiva. Dói para se organizar e ainda assim é impossível,
mas pode tornar-se suportável e avançar ainda que manquejando.
Nas
manifestações podemos ainda utilizar do ato político, irmos às ruas, batermos
panelas, mas tudo será em vão, politicamente falando, se o gozo do ódio mutilar
a cautela do avanço. Se isto for para não escutar é inválido para promoção
política. Parece que em política todos querem ser escutados, mas poucos são os
que realmente querem escutar e se comprometer com o que diz, e isto se torna
uma problemática, pois trata apenas o excesso de afeto, não elabora nada que
diga da relação com causa ou com construção de um novo fazer. Efeitos aos ares
e se salva quem puder! Em política não pode ser assim. Temos que buscar a
linguagem para retrilhar as ações.
O
“trans-torno” político, que poderia ser uma bela palavra, movimento em volta,
adoece justamente por não ir à causa, por tentar contornar apenas os efeitos,
busca ética pela estética; e como fica o que deve ser feito, que arranham
ouvidos e desassossega poderosos capitalistas e mestres da sociedade? A
política deve provocar os detentores de toda espécie de poder e não fazer
pactos cegos com estes. Política não é bonde para sintomas próprios é um
arranjo dinâmico para viver em sociedade. É um pensar em todos, por todos e com
todos, daí ser incessante. A política é a pulsão que carece de linguagem da
civilização!
O
mal-estar e o estar mal na política
Na
construção de civilização, renunciamos parcelas da descarga de ódios,
realizações de desejos e possibilidade da impossível felicidade plena, em troca
de parcelas de segurança e espaço para desejar, falar, tentar ser. A política é
um dispositivo para lidar com os mal-estares na civilização, menção ao texto
freudiano de 1927. A política é inerente à construção de vida e ao processo
social. Não se vive sem política.
Entre
atos e palavras podemos nos deparar com laços sociais, amores e ódios horrendos
de neuroses individuais. Algo do tipo; ainda que gozo não se discuta é pela
palavra que se faz a política. Ter gozo na política não significa que é com ele
que se faz política. Política se faz com palavras não carregadas de gozo, mas
carregadas de filosofia do viver em civilização.
O
ódio na palavra busca silenciar, a palavra da política busca um modo de falar.
A diferença é que, para se fazer política, não se pode eleger as palavrase
carregá-las de ódio, tão somente. E, sim, na urna dos desejos, cada um deve
eleger as palavras que apontam as faltas e que permitam a escuta. É com escuta,
pela sintonia do mal-estar e no ritmo do repensar, que se faz política!
Lastimavelmente, não é o que temos assistidos na maioria das vezes nas redes
sociais e bancadas do congresso do nosso Brasil.
É
preciso desbancar toda e qualquer bancada que estiver lutando pela segregação
em nome do que for e que luta para impor os preconceitos. O estar mal
posicionado na política só não soará hipócrita se nos comprometermos com a
causa considerando que os desejos do país vão além dos nossos e que política
não é para segregar e,ainda, que não cabe em qualquer que seja o desmedido
preconceito. Preconceito grande é caldeirão vazio de ódio. Com pré-conceito a
política torna-se inválida e perversa. Para esta bancada que em toda época, ora
ali e ora aqui, que luta pela exclusão com máscaras políticas, fica o recado:
“diga-nos o que tu negas que escutaremos quem tu és!”.
Falta,
na política brasileira, talvez na mundial, a escuta e a humildade de assumir
que o saber de toda a nação não é o nosso e que se não escutarmos e não
abrirmos mão do narcisismo de partido não faremos política, faremos guerras das
pequenas diferenças para somente depois fazermos algo verdadeiramente político.
Estar em um partido sem estar na política é um estar mal na política e estar em
um partido vedado por ele, estando na política é um mal-estar na política.
Vale
destacarmos que o ódio do humano com a civilização, devido as renúncias, parece
ser tão grande que muitos não conseguem usar da palavra na política sem antes
atacar e reclamar. O “homem lobo do homem” quase sempre marca presença antes de
entrar nos parâmetros da civilização, isto quando entra.
Na
política o gozo do saber tem tomado conta um saber fechado, protótipo de uma
ilusão da verdade. A verdade do sujeito não é verdade de uma nação. A sua
verdade não é a verdade do país. A verdade política não existe. Pois, ali onde
a verdade existir como ponto de fechamento a política é assassinada. A verdade
é a hipocrisia narcísica daquele que se acha o umbigo da nação. É preciso que
ali onde haja um ponto ilusório de verdade advenha construção social.
A
briga de partidos é uma divisão no processo de defesa fronte à responsabilidade
do país. É um travamento. Uma fixação. Ainda que a política seja não toda, ela
não deve ser vista como jogo de partido. Não se resume a isto. A política
começa justamente ali onde termina o processo eleitoral, deve ser causa de
desejo nas facetas de encontros e desencontros da vida. A política toca em
temas que “trans-tornam” o íntimo humano, sua saúde, desejo, andanças e
tropeços. A urna é uma porta voz de nossas apostas, outras vozes são o que fazemos
no cotidiano, é sutil a voz política do nosso dia a dia, temos que valorizar as
sutilezas, seja na política, seja em nós mesmos.
O
Brasil está passando por um momento interessante no uso de suas palavras,
momento “peri-gozo”, talvez, mas que merece atenção. Por exemplo, pedir a
intervenção militar, atacar os direitos humanos sem argumentos, não querer
escutar e ainda crer que está fazendo política nos mostra um destino do ódio na
palavra sem crítica, repleta de destruição, força contrária aos avanços que
eles próprios dizemdesejar. Esta é talvez a pior corrupção, uma corrupção do
próprio desejo.
Segregar
para avançar?
Pedir
intervenção militar e o ataque aos direitos humanos pede um capítulo à parte no
jogo político e neste escrito. É inadmissível, vale repetir aqui, que pensemos
em fazer política com segregações, preconceitos, e sem comprometimento. Um
pouco de pensar, para lidar com o desejo, não faz mal.
Quando
a política inclina-se a silenciar o sujeito, suas posições sejam elas quais
forem, em prol de simplesmente gozo próprio, a psicanálise é convocada.
A
exclusão perpassa ditas políticas de várias épocas com deslocamentos. Por
exemplo, excluíram os loucos, por despreparo dos ditos normais. Excluíram os
pobres e negros pela perversão da crença do poder. Excluíram os usuários de
tóxicos e outros, por julgamentos preconceituosos. Excluíram e ainda querem
excluir os homossexuais por dificuldades com a própria sexualidade. Excluíram
todos aqueles que não fazem parte do ideal deles de civilização e se aceitarmos
isto como condição política, quem restará e para onde iremos?
Fazer
política é defender os direitos humanos, o resgate da dignidade da democracia,
o estado laico e não permitir, tampouco autorizar, que a sexualidade própria
ameace a construção dinâmica e polimórfica da vida em civilização. Fazer
política desmorona certas ilógicas capitalistas que excluem os sujeitos. É pelo
espaço da voz política que temos que buscar a promoção da dignidade humana.
Somos responsáveis pela política em que vivemos!
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
FREUD, Sigmund. (1913).
Totem e tabu e outros trabalhos Civilização (Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XIII). Rio de Janeiro:
Editora Imago
FREUD. Sigmund. (1914) Sobre
o Narcisismo: Uma Introdução.(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud, Vol. XIV)Rio de Janeiro: Editora Imago.
FREUD. Sigmund. (1922) Além
do princípio de prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos, (Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol.
XVIII) Rio de Janeiro. Editora Imago.
FREUD, Sigmund. (1930). O
futuro de uma ilusão, o mal-Estar na Civilização e outros trabalhos (Edição
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol.
XXI). Rio de Janeiro: Editora Imago.
ROSA; João Guimarães
(1908-1967). Grande Sertão: Veredas. 1ªEd. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006. Biblioteca do estudante.
O
poder da palavra: A política atravessa o campo humano de projeção ao mundo. A
nossa mais eficaz ferramenta para transmissão de Política é a palavra. Política
é algo que se discute, ou, caso contrário, como poderíamos promovê-la. Todavia,
sabemos que as palavras são carregadas de afetos, destinos vários elas poderão
encontrar, dizem de nossa posição de mundo e condição de momento.
Perguntamo-nos ao assistir e participar do cenário brasileiro atual se toda
palavra faz jus ao objetivo político. De imediato vem-nos a resposta; não! Nem
toda voz é política, algumas são apenas barulhos de ódio. O destino do ódio na
palavra não promove a política, promove alvoroço e “re-volta”, inclinação ao
passado e presente de mídia, nada que leve a um novo futuro.