sexta-feira, 9 de junho de 2017

Repetir sim, mas sempre algo novo.

Parei de assistir aos noticiários de TV. Sério mesmo. Percebi que as informações que se veiculam na mídia são tão repetidas que chegam a ser cansativas. Eu tinha o hábito de assistir a vários canais da rede aberta, um após o outro, em busca de alguma novidade, mas, sempre me decepcionava. 
Na verdade, se optarmos por assistir os noticiários da TV uma vez por semana, será mais que suficiente para nos mantermos informados e mesmo assim, correremos o risco de ouvir alguma ou muita repetição.

Isso parece desastroso, mas não passa da confirmação de uma elaboração teórica filosófica e também psicanalítica, que gira sobre o conceito da repetição.

Ora, disseram os mestres sobre a repetição, (Wiederholung) que esta é inevitável, já que o aparelho psíquico vai sempre e outra vez, buscar reproduzir a experiência de satisfação. Para isso, conforme já propunha Freud no "Projeto para uma psicologia científica", vai buscar percorrer os trilhamentos desenhados pelos "neurônios".
O caminho vai parecer ser o mesmo, embora sempre produzirá novo resultado. A experiência de satisfação tão buscada, jamais é encontrada, o que promove outra e outra tentativa, as quais se dão, em princípio, pelos mesmos caminhos, ou por tentativas repetidas de se aproximar daquilo que em algum momento causou algum tipo de satisfação.

O conceito de repetição formulado por Lacan, ao tratar da causalidade, toma de Aristóteles o termo “automaton” como essa característica de inexorabilidade que nos impele a repetir e repetir, mesmo que produzindo novidades, em cada papel que desempenhamos, em cada lugar que ocupamos ao longo da vida, como lembra Roudinesco em seu dicionário de psicanálise.
Observemos que o próprio Aristóteles diz em sua “Auscultação da Natureza”, que as coisas têm causas diversas, ou que a causalidade pode ser apreciada em suas diversas características. 
Parei de assistir os noticiários de TV, mas não posso parar de buscar me manter informado. Não pretendo parar de repetir. Só quero algo novo, que me seja estimulante e não enfadonho como ouvir a mesma notícia em vários canais por uma semana inteira. Se não há como não repetir, que algo novo surja em cada repetição.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

O QUE SE ENSINA DA PSICANÁLISE NA UNIVERSIDADE?

Por Eduardo Lucas Andrade, Psicanalista, Fatias de Análise.
"Trabalho apresentado na Estação Junho da Aleph Escola de Psicanálise - BH"



            No começo era o desejo clínico. Agradeço a acolhida do mal estar feita pela escola. É preciso falar do que faz, propôs Lacan, "sem hipocrisia" tece Ferenczi.
            Partirei daquilo que as histéricas ensinaram à Freud: o saber é dissolúvel. A psicanálise interveio no saber do mestre, desassossegou o acúmulo do saber, inseriu uma “ferida narcísica” nas universidades e fez furo no discurso universal. Os analistas desassossegam a inércia universitária.
            A questão deixada por Freud “deve a psicanálise ser ensinada na universidade?” tornou-se uma realidade familiarmente estranha no Belo Horizonte de nossa época. Unheimlich do saber.
            Freud escreveu o texto “Deve a psicanálise ser ensinada na universidade?” ao que tudo indica, em 1918, texto perdido em sua originalidade alemã, quase foracluido, porém, foi salvo pela tradução ao Húngaro feita por Sándor Ferenczi, psicanalista, este, que, ao que os registros indicam, foi o pioneiro nos ensinos de algo da psicanálise na universidade. Sabe-se pela história da psicanálise que Ferenczi lecionou na universidade de Budapeste em 1919, curiosamente logo após traduzir e salvar o texto freudiano. Mas o que         Ferenczi ensinava? No mínimo, uma aposta na elasticidade.
            Ferenczi entrou na universidade para lecionar psicanálise nos cursos de medicina. Os estudantes estavam agitados, tinham sede de saber, mas não sabiam que a análise era leiga.
            Em um princípio de saber, eram simbióticas, de inicio, as relações entre medicina e psicanálise até que aos poucos estas vivenciaram uma “Confusão de Línguas”. Foi lá nos restos abandonados pela medicina que Freud encontrou as histéricas e o enigma posto em cena pelo inconsciente – como outra cena-, e foi lá também que Freud começou a abandonar a lógica médica pautada no universal proposto pela ciência e a instituir a de um tratamento singular, do caso a caso.
            Abandonou a lógica médica para renovar o tratamento. Inaugurou-se uma aposta, um novo discurso completamente inédito na civilização, hoje chamado de psicanálise.
            Naquela época, eram os médicos, predominantemente, que praticavam a psicanálise. Nos congressos, os curiosos também eram médicos. Porém, nos desdobramentos da construção analítica, o saber psicanalítico foi se afastando do saber médico. Aprendemos do trabalho freudiano sobre a análise leiga que a formação e a prática da psicanálise não deveria e não deve ser algo privativo aos médicos e a nenhuma outra classe profissional específica.
            Freud, na medida em que avançava com a psicanálise, em suas conferências, denunciava o saber médico, afirmando que este dava muitos nomes, pouca escuta e não se comprometiam com a causa, e sim com a eliminação da crosta do sintoma que organizava o sujeito. A pulsão de morte veio para consagrar esta ruptura dos saberes. Mas, ainda hoje, de forma recíproca, estes saberes se bisbilhotam e se entrecruzam.
            Da medicina, psicologia e além: a psicanálise ao afastar-se das garantias das titulações acadêmico-profissionais teve de situar-se como campo único cujo um dos objetos é o singular pautado numa escuta ética. Para tal, Freud construiu uma metapsicologia que pela sua dimensão clínica convocou os olhares da psicologia.
            Não por acaso, Freud, no texto O Inconsciente de 1915, trabalha a distinção da técnica e objeto de trabalho entre estes dois saberes, psicanálise e psicologia, e mais adiante, nas recomendações, escreve sobre o apressar da clínica analítica, onde afirma que a psicanálise, por tratar o material inconsciente não poderia dar-se o luxo psicológico de ser breve, tampouco de ser rasante nas intervenções.
            Este “meta”, “além”, mostra-nos que a psicanálise tem algo que a psicologia não tem e que interessa a ela. Há distinções anatômicas entre os psis.
            Tenho chamado a psicanálise até aqui de “saber”, não foi por um acaso sem causa, foi justamente para mostrar-lhes como a psicanálise era vista. A psicanálise vista como um saber. Sabemos que não é bem assim, mas será que as universidades, a medicina e a psicologia sabem? Será que sabem que a psicanálise é um discurso ético, uma forma de laço social radicalmente diferente de todos os outros?
            Há um interesse psicanalítico por certos segmentos da psicologia. Logo, se a psicanálise é vista com interesse por segmentos da psicologia e se é vista como um saber por estes, nada mais viável, aos olhos destes segmentos da psicologia, do que usar as contribuições da psicanálise para se pensar a clínica psicológica. Muitas vezes, nos cursos de psicologia fala-se da psicanálise (teoria em sua face descritiva) como se dissessem da própria psicologia.
            O que lhes interessam, na verdade, não é a psicanálise pura orientada pelo passe, mas sim uma aplicabilidade da escuta clínica tendo como objetivo seus efeitos terapêuticos. Nas universidades não compreenderam que o futuro é o de uma ilusão e que quando o estudante dali sair, senão tiver tratado as questões postas em manifestação pelo próprio inconsciente, este, ficará à deriva e desamparado com a prática clínica.
            Então, o que se ensina da psicanálise na universidade? Em especial, nos cursos de psicologia?! Reparem que o que indago é o que se ensina e não o que se transmite, nem sei se é possível dizermos de uma transmissão aqui. E ainda assim pondero que o ensino da psicanálise, como tal, na universidade, não existe! A palavra condena. Universidade é algo universal, inapropriado para aprender psicanálise. Psicanálise é algo que não se aprende, se experimenta.
            Sua majestade, o conhecimento: na universidade o que conta é o jogo de conhecimentos, teorias e técnicas bem como sua acumulação, não se fala da autorização como analista e tampouco da análise dos sujeitos – futuros praticantes. Lá a autorização é dada pelo selo do MEC e o sintoma, bem como o desejo de escuta tendem a permanecer obscuros.
            Não se preocupam com o lugar central do inconsciente. Fazem uso de Lacan pelas avessas. Um sutil perigo e sabemos o quanto as sutilezas são levadas a sério na psicanálise. Algo da identificação com os professores, talvez, cópia de estilos. Lembro-me aqui que Freud em uma de suas conferências fala da formação do superego em identificação com o superego do adulto, é por ai também a formação do superego dos nossos estudantes de psicologia fronte aos seus professores.
            O que um psicanalista pode ensinar na universidade? Aqui temos uma distinção a ser pensada, uma coisa é a universidade e outra são os professores que se intitulam psicanalistas (pondero que psicanalista nunca deve ganhar um adjetivo, por ser semblante do objeto a . É preciso deixar sempre aberta a questão “O que é um analista?”). Porque muitos, se não a maioria, dos meus professores de psicologia foram e ou são psicanalistas? E ainda, qual o interesse da psicanálise com o seu ensino na universidade? Esta segunda é uma pergunta que o próprio Freud fez.
            Estou pensando aqui que antes de serem professores eles são psicanalistas. Caso contrário, poderíamos perguntar o interesse do professor universitário em ser psicanalista, e não o inverso, o interesse do psicanalista em ser professor universitário, e a resposta seria algo do tipo, o interesse é devido a terem, na psicanálise, mais suporte para explicar sobre o tratamento do Real que a psicologia não alcança.
            Mas, voltemos ao interesse da psicanálise e do psicanalista que leva a psicanálise para a universidade, seria, pergunto, para construção já que ali atravessa algo da clínica? Mas que tipo de construção seria esta? Ou seria uma oportunidade de provocar desejos e desassossegar algo estando lá dentro? Parece-me que não, a psicanálise na universidade, infelizmente, na sua maioria, está lá para levar um sossego aos professores e segurança aos alunos. Jogando com um título de Freud, digo que aqui temos o problema econômico do “universitarismo”, ausência da causa de desejo, entrega capitalista.
            A psicanálise em seu avesso? Não me assusta, o discurso de lá é o do mestre. A minha esperança é que o professor faça a diferença e fira o narcisismo universitário que carrega em seu bolso um saber prêt-à-porter.
            Alguns de vocês podem estar me indagando em fantasias de várias formas, ou vocês mesmos lecionam em universidade e tenderão a se defenderem. Esperado! O que aqui trago atravessa o momento atual e por isto é necessário e legítimo de ser levantado em palavras, tal como o inconsciente de 1915 teve de ser trabalhado por Freud.
            Mas, concordo se estiverem pensando se não teria realmente um ganho à psicanálise quando ela é ensinada?! Sim, creio nisso. Mas dependerá do profissional que leva a psicanálise e como ele a aplica. Não quero trazer questões fechadas, pelo contrário, são apenas desassossegos para provocar novas formas de pensar, bom seria se eu dissesse isto dentro da universidade.            Lembraria inclusive as apresentações de Freud que falava no campo de combate. Então, estando eu falando em uma Escola de psicanálise, reviro a questão; quais os efeitos daquilo que se ensina da psicanálise nas universidades batem nas portas das Escolas de psicanálise? Nos cartéis e em seus dispositivos? O desejo move e as buscas da formação de muitos recairão por aqui.
            Os efeitos, de uma forma ou outra também recaem aqui, esta minha apresentação é uma prova disto. Vale pensarmos com o que fazemos com as consequências, com os restos quase sintomáticos, daquele que deseja salvar-se a si mesmo numa formação ética e técnica de cunho permanente.
            Ora, não há que eu tenha conhecimento, um curso de psicologia que não diga da psicanálise, que não a utilize como referencial teórico. Hoje, no Brasil, não se estuda psicologia sem se ouvir psicanálise, a literatura psicanalítica dominou o currículo do curso de psicologia de onde vim, mas vem perdendo forças. Assim sendo, vale pensarmos, o que podemos extrair disto para a clínica e para a própria psicanálise? Qual saber fazer é possível aqui?
            Por experiência digo, numa universidade, em cursos de psicologia, geralmente é ensinada a existência da psicanálise como uma teoria da personalidade que considera o inconsciente e pulsões, mas não se ensina as pulsões. É ensinada rapidamente sua importância no desenvolvimento da civilização, na clínica de tratamento humano e nos diálogos diversos, algo bem superficial. Abordam brevemente a lógica analítica, falam das raízes que a psicanálise buscou na filosofia e elogiam ou criticam as contribuições de Freud e de Lacan.
            A psicanálise ali é uma disciplina curricular, um saber a ser adquirido sem análise e experiência própria, não é ética e de certa forma pode tornar-se instrumento de escuta. Preocupa-me pensar até onde avança esta clínica. Sei que é do um a um, tanto do lado do paciente quanto do lado do analista e ou psicólogo. Acho que eu situaria esta clínica entre a psicologia e a psicanálise propriamente dita, um avanço fronte a psicologia e um breve retrocesso ante a psicanálise. Refiro-me ao tocante da leitura que se faz do inconsciente na clínica.
            “O que é trabalhado na estrutura curricular?”, “como falar da psicanálise na universidade?” são questões que ouvi de professores universitários encarregados a apresentarem a psicanálise a seus estudantes. Dificuldades que me fazem pensar como se forma um psicanalista. Esta é a outra face da conversa que não desejo estender aqui, pois esta é a face que não se ensina na universidade. Aqui estou abordando o que se ensina da psicanálise na universidade e isso não se ensina, o tornar-se analista – que é produzido via atravessamento dos fantasmas no tratamento analítico. Psicanálise é impossível, o que perpassa o seu ensino também, já apontava Freud em outros tempos.
            Eis a psicopatologia do ensino cotidiano, quais os seus lapsos e como escutá-los? É como se a psicanálise na universidade fosse um ato falho do ensino que precisa ser escutado a fundo. Na universidade estamos na psicologia de grupo com pouca “análise do eu”, velando e abolindo as manifestações do inconsciente.
            Quanto à identificação com o superego do professor, resgato a proposta freudiana, como pode o aluno herdar isso para fazê-lo teu? Penso ainda que ocorra uma divisão do ego do aluno como processo de defesa na construção teórica clínica. A psicanálise como escolha por ter alguém que ampara no ensino, em outros momentos inclinam-se a identificação com outros professores do curso. Como pode o estudante salvar-se a si mesmo como desejo de analista em meio a esta divisão senão buscando espaço para o seu desejo fora da universidade?
            O grito do sonho “Pai não vês que estou queimando?”, bate nas portas da Escola. Não poderíamos olhar este entrave também como algo que promova, ainda que em perigo, uma “elasticidade da técnica”, por conseguinte, da ética no constante exercício de tornar-se psicanalista? Agora é conosco, o que fazer disto que está posto?! Viva o desassossego e obrigado!


quarta-feira, 24 de junho de 2015

O Coração Delator e o Saber da Loucura
Por Eduardo Lucas Andrade,
membro ativo e fundador do Fatias de Análise.


            Em tempo de delação premiada aprofundei-me apostando nas palavras. Delatar; é verbo, movimento que toca no exercício de uma revelação pelas palavras. Delatar é denunciar alguém por sua culpabilidade, revelar delitos tocando em evidências nem sempre certas, as evidências são sem garantias, Delatar é dar possibilidade para o entendimento de algo. Desdobrando o latim, o berço da palavra, delatar é dar forma ao crime oculto. A ética da psicanálise está na consequência e no desejo, não no ser o bonzinho ou no gozo. Bem dizer para o gozo conceder ao desejo, amor em palavras. A responsabilidade na delação passa pelo Outro, mas é de quem diz.
            Ainda não recuando fronte às dobradiças, significados e homofonias das palavras, pois as palavras do inconsciente é aquilo diante do qual nenhum psicanalista deve recuar, provoco uma possível descrição para a palavra “premiada”. Aquele que ganha prêmio, compensação. Em análise estes significantes são singulares. Na delação cada um paga e ganha a seu modo de dizer.
            Mas aqui não abordarei a delação premiada vista nas manchetes de TV. Conforme vemos no título deste trabalho, o coração é que será o nosso delator, inclusive sobre o saber da loucura. O que esta sutileza nos diz da psicopatologia e clínica da vida cotidiana?
            Se procurarem no fálico amigo Google, verão que coração delator é um título de um dos fantásticos escritos de Edgar Allan Poe. Neste conto temos a delação sobre a loucura de si mesmo. Um sujeito lidando, organizando aos moldes do delírio, com as consequências de seus atos. Começa assim:
            “É verdade! Nervoso, muito, muito nervoso mesmo eu estive e estou; mas por que você vai dizer que estou louco? A doença exacerbou meus sentidos, não os destruiu, não os embotou. Mais que os outros estava aguçado o sentido da audição. Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco? Preste atenção! E observe com que sanidade, com que calma, posso lhe contar toda a história.” (Allan Poe)
            O fantástico conto de Edgar Allan Poe é uma amostra do saber da loucura e da necessidade da escuta. Seu crime? Matar um senhor idoso para anular o invasivo olho de abutre. Não desejava ouro, não odiava o senhor idoso. Estava era perseguido pelo olho de abutre, vendo-se através deste seu lugar de dejeto. O corpo humano recortado o persegue.
            “Agora esse é o ponto. O senhor acha que sou louco. Homens loucos de nada sabem. Mas deveria ter-me visto. Deveria ter visto com que sensatez eu agi — com que precaução —, com que prudência, com que dissimulação, pus mãos à obra! Nunca fui tão gentil com o velho como durante toda a semana antes de matá-lo... Aha! Teria um louco sido assim tão esperto?” (Allan Poe)
            O homem louco nada sabe, pois anterior a este há uma história de vida, um modo descoberto e encoberto de ser. É este, o ser de história de vida, que fala pela loucura. A dobradiça rangia. E segue dizendo:
            “O ponteiro de minutos de um relógio se move mais depressa do que então a minha mão. Nunca antes daquela noite eu sentira a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Eu mal conseguia conter meu sentimento de triunfo. Pensar que lá estava eu, abrindo pouco a pouco a porta, e ele sequer suspeitava de meus atos ou pensamentos secretos.” (Allan Poe)
            Por falar em suspeitar dos pensamentos secretos, ouso-me a dizer que o pensamento secreto de muitos de vocês neste instante é o de julgar, de uma forma ou outra, o crime deste sofrido sujeito do conto fantástico. Pondero, espero que eu esteja errado, mas se assim for, mudemos a escuta. Não nos cabe julgamento.
            Na clínica psicanalítica o que cada um leva e eleva é a delação premiada do crime próprio. São sonhos proibidos, desejos recalcados, atos fora do controle superegóico, sintomas insanos, sexualidade insuportável. Em suma, o que se leva na clínica são as consequências do irrealizável que faz balizas nos deslizes das palavras, corpo e ato. É a delação do coração, o saber sobre a própria loucura. Julgar? Não, pois julgar é a corrupção da escuta e do compromisso com a palavra que vivifica o desejo. Se há consequência, há lugar de sujeito e deverá haver lugar de responsabilidade. Fale! Responder o crime do sintoma com palavras é diferente de ser punido pelas coisas do desejo. Na clínica isto deve ficar claro.
            De louco, todo mundo sabe pouco. Não “um” pouco, pois este nos daria uma quantidade para assumirmos no saber do outro. É pouco, não sabemos, se não ouvirmos, e ouvindo, quem saberá é ele, eis ai a premiação da delação sobre o crime individual. Ser causa de desejo é fazer falar o sintoma.
            Quantos de nós, aqui presente, esquece palavras na ponta da língua, pensa coisa proibida, reclama satisfação por todos poros, confere se já fechou a porta, tem dificuldade para dormir, culpa o outro e faz esquisitices? Quantos de nós damos nomes aos próprios sintomas? Quantos de nós, aqui presente, temos desejos sexuais que não pode ser falado quiçá realizado? Quantos de nós gostamos de besteiras? Quantos de nós sofremos de dúvida? Quantos sofremos por amor?
            A estas questões, ainda que feitas no plural, cada um respondeu por si, assim sendo não sabemos da loucura do outro, nossa delação é das coisas do inconsciente. Para a consciência louco é o Outro, para o inconsciente é Outro quem nos salva da loucura.
            O certo ao inconsciente é escrito por linhas tortas. Somos supostos saberes da loucura cotidiana e da loucura estrutural. Não recuar não significa saber pelo outro, não significa ser hipócrita profissional, não significa julgar, significa em primeira instância, escutar. Por detrás do crime neurótico, do crime psicótico, um sofrimento. Na chegada lei, o personagem fabuloso de Poe, diz:
 “— eles suspeitavam! — eles sabiam! - Eles estavam zombando do meu horror! — Assim pensei e assim penso. Mas qualquer coisa seria melhor do que essa agonia! Qualquer coisa seria mais tolerável do que esse escárnio. Eu não poderia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Senti que precisava gritar ou morrer! — e agora — de novo — ouça! mais alto! mais alto! mais alto! mais alto! — Miseráveis! — berrei — Não disfarcem mais! Admito o que fiz! levantem as pranchas! — aqui, aqui! — são as batidas do horrendo coração!” (Allan Poe)
Gritar ou morrer. Forte isso. Antes ele havia dito:
            “E agora, eu não lhe disse que aquilo que o senhor tomou por loucura não passava de hiperagudeza dos sentidos? Agora, repito, chegou a meus ouvidos um ruído baixo, surdo e rápido, algo como faz um relógio quando envolto em algodão.” (Allan Poe)
            É hora de terminar a parcela de felicidade do interminável, por isto faço das loucas palavras de Allan Poe, as minhas: “quando o sino deu as horas, houve uma batida à porta. Desci para abrir com o coração leve — pois o que tinha agora a temer?” Obrigado!


*Trabalho apresentado como desassossego no V Seminário de Psicanálise de Bom Despacho, De Mulher, Criança e Louco Todo Mundo Sabe Pouco.

terça-feira, 23 de junho de 2015

REPETIÇÕES EM ANÁLISE: NOTAS CLÍNICAS

Por Eduardo Lucas Andrade



            A repetição acompanha a psicanálise desde os seus primeiros passos. Mas assim como a própria repetição, o conceito repete, mas não o mesmo, avança. A repetição será nossa Gradiva, isto é, aquela que avança de forma sublime e enigmática.
            A repetição já estava na língua dos poetas e dos filósofos, no cotidiano de quem vivia antecedente à Freud. O mito de Sísifo de Albert Camus pode ser lido como a tragédia da repetição. Porém, dar a ela um estatuto clínico de tratamento subjetivo, foi mais uma das inaugurações freudianas.
            Acompanhando o Caso Dora, Freud encontra para além das reminiscências, a transferência e nela a repetição. Logo, a repetição, desde o começo da psicanálise já se ajustava a uma posição clínica.
            Abordarei este escrito entrelaçando os avanços da noção de repetição em psicanálise á recortes de um caso clínico - chamarei aqui a paciente de Éris, deusa da dúvida. Devo destacar que o primeiro nome do analista é o mesmo do seu deslaço com o ente amado, responsável pela relação impossível de seu desejo, demanda de análise.
            Foi com as histéricas que Freud descobriu ao ser mandado calar-se, a Associação Livre. A repetição participa da associação livre como elemento limítrofe entre resistência e transferência. Éris utiliza de repetições para suportar uma sequência de fala. Associa livremente até certo ponto, este é o ponto da repetição que marca local de gozo por onde passa o sintoma. Necessita por vezes que o analista apenas repita algum de seus significantes para que volte a associar livremente.
            Freud na Carta 84 nos mostra a Repetição como produção de sonhos, manifestação do inconsciente e realização de desejos. Vemos aqui a repetição como um obscuro singular interpretável. Nesta lógica Éris coloca em cena, em suas seções – tanto no sonho, quanto na dúvida e na dualidade do desejo - um “voltei mar” e ou “vou teimar”. Palavras estas que dizem de um particular estatuto de repetição, relatando sobre os íntimos do desejo, que a repetição na clínica transparece como presença de história de vida.
            Ao estabelecer a noção de lembranças encobridoras Freud coloca o fantasma psíquico nas artimanhas inconsciente da repetição. Éris ao repetir, ao falar, remonta com tramites inconscientes, discursos para lidar e avançar em sua história. Éris que conta a história, a repete sempre com algo novo, seus relatos dos sonhos são assim.
            A realidade a ser escutada pela psicanálise passou a ser a verdade do sujeito, uma realidade psíquica, que se repetia naquilo que era dito, manifesto e representado. Éris repete em representações modos distintos de pagar as seções, repetindo dívidas da vida.
            Os sonhos são segundo Freud “uma repetição de impressão” (Freud, 1900), no sentido duplo da palavra. Impressão de percepção e de imprimir algo, inscrever letras no branco. Éris leva à análise sonhos que sem perceber repete fragmentos de seus dias, de sua demanda, e organiza-os em modo alucinado e obsessivo.
            Sobre os Chistes Freud nos diz que ele é em sua repetição “o peculiar prazer da criança” (Freud, 1905). Diz ele que é uma “repetição do que é similar, de uma redescoberta do que é familiar... Insuspeita economia das defesas psíquicas” (Freud, 1905) Os chistes de Éris recaíram como uma luva em suas dúvidas. “Minha doença é a dúvida”, diz belamente em análise.
            Em “As sutilezas do Ato Falho” Freud relata uma tentativa de fuga da repetição que termina, pegando o sujeito de surpresa, em uma repetição. Éris ao relatar a semana santa, diz que separou as santidades, mas não conseguiu promover a união, faltando da procissão e se sacando no que disse com uma simples pontuação do analista. Os significantes que se repetem são gatilhos para os avanços em análise.
            Sobre as inibições elas tendem a levar o sujeito “à repetição e ao desperdício do tempo” (Freud, 1925). Éris repete inibições, repete discursos sobre um não poder, afastando-se da sexualidade, perdendo tempo em seção, ainda que no momento lógico do corte se pega no quase nada disse tendo muito a dizer. No caso de Éris vale lembrar que na escrita de Freud a inibição “é contra a repetição do encontro” (Freud, 1925).
            Com o advento teórico da pulsão de morte em “Além do Princípio de Prazer”, a repetição deixa de ser algo por excelência do prazer, mantendo-se na economia e desdobrando-se do lugar de retorno do recalcado como forma para lidar com o traumático, para aparecer na escuta clínica como tendência pulsional. Ali Freud depara frontalmente com a compulsão à repetição. O sujeito é capaz de provocar em si um desprazer para poder obter o prazer. Esta repetição evidencia “a reexperiência de algo idêntico (...) geradora de prazer” (Freud, 1923).
            Ao inaudível som das pulsões repetimos nossos fantasmas em silêncios e isto “nos encaminha ao fatídico e ao inescapável, fora de análise chamaríamos de sorte” (Freud, 1919) É preciso que coloquemos Éris a falar, em busca do seu lugar de sujeito.
            Se “o encontro, é na verdade um reencontro” conforme postula Freud, podemos então pensar na repetição como sendo um arranjo psíquico para que o sujeito lide a seu modo, sem regra de ouro, com a falta.
            Lacan, após colocar a repetição entre os quatros conceitos bases da psicanálise, avança na noção de repetição trazendo à psicanálise; Tiquê e Autômaton. Tiquê se aproxima do real, na medida em que não engana e emerge-se como um ‘acaso com causa’, perfurando Autômaton. A Autômaton recobre a ação da Tiquê pelo mecanismo do automatismo, um automatismo de repetição, dizia Lacan.
            A quebra da repetição promove o estranho; “hoje você está estranho”. “Estranho?! Como assim?” “Não sei, você está diferente”. Eis, construções de novos caminhos, ainda que familiares.
            No meio destes caminhos, há uma clínica. A repetição na medida em que ela se mostra ela vela. Tenho visto isto na clínica, com Éris, que ao persistir a repetição, o sujeito deverá ser consultado, mas onde na repetição está o sujeito a ser consultado? Éris, a deusa da dúvida, persiste por aqui.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FREUD, S. (2006). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago.
(1900) “A Interpretação dos Sonhos (II)”, v. V.
(1901) “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana”, v. VI.
(1905) “Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente”, v. VIII.
(1906) “‘Gradiva’ de Jensen”, v. IX.
(1914). "Recordar, repetir e elaborar", v. XII.
(1915) “Artigos sobre a Metapsicologia”, v. XIV.
(1920). "Além do princípio do prazer", v. XVIII.
(1925) “Inibições, Sintomas e Ansiedade”, v. XX
LACAN, J. (1988). O seminário, livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Os Três Ensaios Sobre as Medidas Socioeducativas

Por Eduardo Lucas Andrade





INTRODUÇÃO:

 “Qual é a sua parte na desordem de que você se queixa?” (Freud, 1905).

            A pedra angular do presente relatório é a descoberta freudiana que toca o inconsciente, suas relações de mundo e o lugar do analista. É a psicanálise sendo colocada em ato no século XXI. Pressupostos Ferenczianos quanto à técnica analítica também sustentam as novas práticas e aplicabilidades éticas, assim como, adentram o campo das políticas públicas.
            A psicanálise nas políticas públicas já era desenhada por Freud por linhas tortas. O inconsciente é político, busca laços e se manifesta nas relações.
            O presente ensaio tem como setting de atuação a clínica do ato infracional, uma extensão da realização de desejo em encontros e desencontros com o superego, o ego sofre de reminiscências políticas!
            No CREAS, em específico nas medidas socioeducativas ,o ato é o centro das atenções, o arranjo eleito para dar vazões às pulsões. Fadados a um império de insaciedade pulsional jovens desamparados pelo lugar do pai encontram um superego cuja cultura é a da pulsão de morte, atuam, cegamente, sem elaborações quanto ao desejo. Pelo jurídico são encaminhados ao serviço que deve estar atento à construção da transferência para ser causa de desejo por detrás daquela demanda que por consequência e responsabilidade pertencem ao sujeito.
            A psicanálise deve estar ali para amparo e desassossego. Amparo como direito de ser escutado, na transferência, o direito de falar! E desassossego pelo dever de se responsabilizar pelo próprio inconsciente e pulsões. Vale lembrar que a cena causa é inconsciente, não inconsequente!
            A estes podemos ofertar, baseados nas políticas públicas, novos arranjos para aquilo que promoveu o ato. Temos um corpo e uma linguagem à deriva para serem trabalhados juntos à eleição do ato.
Por estas e outras é que o lugar do analista deve ser ensaiado!
            O título Três Ensaios é um marco à parte para o surgimento da psicanálise e creio que seja também um marco a parte para o surgimento de toda análise. Freud utiliza o título dos Três Ensaios ao menos em duas ocasiões, em 1905 nos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade e em 1934 no artigo Moises e o Monoteismo: Três Ensaios.
            O analista se prepara, ensaia, segundo Freud, pela análise do próprio sonho, do próprio inconsciente, enfim, pela própria análise. Ferenczi reafirma a necessidade deste compromisso com a própria análise e coloca-o como a sendo a segunda regra fundamental da psicanálise, a primeira foi estabelecida por Freud no campo da associação livre. Nas palavras trocadas entre estes dois autores também encontraremos a supervisão como sustentação de ensaio para a prática. O lugar do analista e seu desejo devem ser observados de perto!
            Além do ensaio, temos em Freud um Projeto Para Uma Psicologia Científica, o que mais uma vez nos remete a ideia de um preparo inicial para a inauguração do ato analítico. Particularmente ao âmbito clínico, Freud em 1913, postula a importância do tratamento de ensaio e das entrevistas preliminares. Ferenczi postula sobre a necessidade de às vezes ocuparmos o lugar de “João-teimoso” para que o paciente possa exercitar na construção da transferência seus afetos e desprazeres. Ainda com Ferenczi, – autor inovador da metapsicologia do analista - podemos pensar em indagar quais são as entrevistas de ensaios do próprio psicanalista e ainda, quais seriam os três ensaios do lugar e desejo do analista?
            Elaboro para pensarmos os três ensaios sobre as medidas socioeducativas os ensaios; Primeiro, o ensaio teórico, este seria o ensaio do conhecimento, algo do suposto saber social. Segundo, o ensaio tático (tato – sentir com), este seria o ensaio ético, algo do autorizar-se a si mesmo. Terceiro, o ensaio prático, da aplicabilidade da técnica, este seria o ensaio do saber fazer com, algo da elasticidade da técnica.
            Antes de tocar em cada ensaio em “SUAS” particularidades, convido a analisarmos o que há por detrás das palavras “medidas - sócio - educativas”. Consultando brevemente um dicionário podemos eliminar o caráter numérico, matemático e ordenador da palavra medida. O dicionário nos oferece para esta palavra os significados de precaução, plano, projeto, providência, alcance e possibilidade. A palavra “sócio” me faz pensar no compromisso social, na política da palavra, na luta pelo tratamento do desejo no andar pela cidade. Já a palavra “educativas”, vale abordá-la no plural, é variada pela escuta de cada um, não é a aplicabilidade de uma pedagogia da pulsão e sim ser causa de desejo, treinando habilidades, esclarecendo possibilidades e trabalhando responsabilidades, é assim que o impossível de educar pode ser singularizado na inserção social de cada caso.
            1 – Ensaio teórico: Um psicanalista, seja ele quem for, deve conhecer a teoria que sustenta sua prática e a existência de seu serviço. Por exemplo, a psicanálise deve estar na ponta da escuta do analista, saber ouvir aquilo que é da pulsão, aquilo que é do inconsciente, da transferência, da repetição, resistência, angústia e seus afins são as bases de qualquer oportunidade para intervir e ou interpretar, para fazer acontecer algo da psicanálise, isto é, algo do aprofundar-se na história de vida de si mesmo.
            Em particular no campo das medidas socioeducativas é preciso ainda estar atento ao ECA, aos direitos humanos, ao saber fazer com a rede e ou inventar ali onde ela falha e ainda estar atento às recomendações técnicas. Ainda que a psicanálise seja uma clínica sem garantias, o serviço está ali para garantir direitos e por que não o direito à fala?! Neste campo estamos situados entre o crime e a palavra! Não podendo colocar estes sujeitos no divã, podemos ao menos promover uma análise do caráter.
            Com a psicanálise trabalharemos a responsabilidade e conseqüências fronte ao ato infracional cometido, dribles do desejo e suas realizações. Com o ECA, estamos situados na lógica antimanicomial, uma aposta no tratamento social, acreditando que é possível que o sujeito do inconsciente seja um sujeito de direito.
            O ECA na lei 8.069/1990 propõe que o adolescente que comete ato infracional perpasse pela advertência, pelo reparo ao patrimônio público, prestação de serviços à comunidade, pela liberdade assistida, pela semi-liberdade e por fim pela internação/prisão, privação da liberdade. A psicanálise não deve recuar fronte ao tema da liberdade! Ou a privação dela.
            O ensaio da base teórica evita que entremos em campos pelos quais combatemos, evita que viremos pelo avesso. Ali onde poderíamos assumir o discurso do mestre a causa de desejo deverá advir. A advertência é algo do campo policial, moral, que não compete ao campo do discurso analítico. Na prestação de serviços podemos promover, sem colocar o adolescente em vexame, humilhação e tortura, o laço social, trabalhando suas habilidades e campo de interesse. Na liberdade assistida podemos escutar o envolvimento do adolescente em relação à sua psicopatologia cotidiana (Freud, 1906) e aqui podemos provocar Insights, novos rumos para as pulsões, promover desassossegos para sublimações e caso a escassez de linguagem se faça presente podemos ser causa de desejos.
            Lutando contra a hipocrisia profissional nos posicionamos contra generalizações dos ditos tratamentos aos atos, sejam eles quais forem. O tratamento ao ato se faz na clínica com cada um, assim desenha a teoria. O ato é realização de desejo ou satisfação de pulsão, assim sendo, deverá ser trabalhado na singularidade de cada sujeito. Não há crime sem castração, é preciso que haja alguma castração para que o sujeito cometa um crime e realize seu desejo proibido.
            A questão do ato infracional toca o chão da teoria do recalque, dos destinos da pulsão, da moral civilizada clinica do superego e de outros conceitos psicanalíticos.
            2- Ensaio Ético: Qual ética está em jogo? Se tratando da psicanálise, podemos afirmar com Ferenczi que é a ética do analista, com Freud que é a ética da escuta e com Lacan que é a ética do desejo. Toda ética desassossega! Ética é fazer o que deve ser feito.
            Ética do desejo, partindo daquilo que os supracitados autores postularam, é a ética do analista que escuta o desejo em seus complexos relacionamentos de falta. Desejar não é sem consequência, este é um ponto necessário para se pensar a ética do desejo. Outro ponto, que pega embalo no ensaio teórico, é saber diferenciar desejo de gozo.
            O desejo faz laço social, busca um outro, é do inconsciente e seu material é de linguagem. O desejo é algo da civilização, broto da castração. Pode ser realizado em sonhos e alucinações, atos falhos e em atos infracionais, no chiste e no humor, e ainda em sintomas e fetiches em geral, faz parte da realização social da perversão sexual infantil. O perverso pode ser um beijo, per-verso pode ser uma poesia e pode ser aquele que goza à luza do dia. Este último tipo de perversão é a que elege a ética do gozo, isto é, destruição pela satisfação, satisfazer-se a qualquer custo independente de linguagem e laço social, provocar horror e aniquilar a existência dos demais falos que não o próprio desmentindo todo tipo de falta narcísica que a si mesmo pertence, pelo gozo executa o assassinato do prazer e ordena a morte do desejo.
            Sendo o lugar do analista aquele que promove a causa de desejo este é também o lugar que pontua a existência da falta e não compactua com impérios de gozo. É por esta escuta que o adolescente passará, questões sobre a própria vida e modos de lidar com suas pulsões e relações com o supereu.
            Ainda pensando no ensaio ético vale destacar que conhecer o limite do próprio serviço e de sua própria capacidade profissional, uma franqueza do analista, é base para a ética, afinal, questionar-se a si mesmo é um ponto ético! Freud também já alertava que não podemos esquecer que o relacionamento analítico se baseia no amor à verdade!
            É preciso, neste ensaio ético, que o analista desça de seu salto narcísico e indague-se até o ponto que conseguirá ir. A depender de Ferenczi e Freud, o analista só conseguirá avançar até o ponto que alcançou com os avanços de seus próprios complexos em sua própria análise, aqui também vale lembrar do valor da supervisão e da análise do analista.
            O ensaio ético faz pensar ainda em quais dispositivos, algo do material histórico, material de história de vida, temos para avançar. Tocar na dor, alerta Freud, sem material para tratá-la é inapropriado para qualquer análise. Ferenczi situa a compulsão à interpretação ao campo das doenças infantis do analista. Freud defende que aquele, psicanalista, que convoca os piores demônios do fundo da mente deverá com eles conversar. Ferenczi, se pensarmos que o sofrimento persistirá, postula que aprender a suportá-lo é das tarefas da análise.
            É preciso traçar estratégia de trabalho, promover transferência de trabalho, não recuar e acolher para promover! É triste, anti-ético, uma clínica onde o desejo manicomial habita o profissional, se assim podemos chamá-lo. Lembremos que Freud postulava que a escuta flutuante é aquela sem preconceito, julgamento ou moralidade.
            3 – Ensaio prático: O mal-estar na civilização segue sendo anatômico, político e catastrófico. Desta forma fronte ao mal-estar, a angústia como sinal de alerta temos, mais uma vez, que nos indagar. O que pode ser feito na clínica do ato com cada um? Ou ainda, do que trato e como trato?
            O trabalho nas medidas socioeducativas é feito em equipe, em rede e o psicanalista usa e abusa dos buracos da rede. Na prática devemos ofertar uma escuta que convoque à fala do inconsciente. O inconsciente ama aquilo que lhe dá voz!
            Devemos lembrar que a pulsão é plástica e que são elas os verdadeiros motores do progresso e que novos destinos são possíveis. Situados no campo da pulsão, Ferenczi desenha a importância da acolhida da pulsão de morte.
            É necessário instaurar a análise do eu na psicologia das massas, para que ali onde, com as pulsões, os adolescentes em grupo descem na escada da civilização, eles possam se realizar em laços de linguagem. Freud ainda nos fala que é preciso não só evitar a morte e sim ofertar vida. É aqui a nossa prática, no campo das pulsões que estão velados por aqueles atos.
            A realização da pulsão não é uma realização do sujeito! O ser é castrado, ser de desejo, ser da falta e com ela deverá se haver. Caso contrário, estaremos falando da psicose e devemos seguir estes três ensaios para saber que o seu tratamento se dará em outro campo.
            Analisar é impossível, a análise é leiga, o futuro é de uma ilusão, a psicopatologia está na vida cotidiana, interpretar tem seu lugar, confusões de língua existem e é por estas e outras que é preciso ao menos escutar para que possamos promover o direito à fala e por sequência, algo da análise!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERENCZI, S. (1908). (1990). Obras Completas de S. Ferenczi, vol. I. São Paulo: Martins Fontes.
(1929) “A criança mal acolhida e sua pulsão de morte”. vol. IV
(1932). “Diário Clínico”. vol IV
(1933). “Confusão de línguas entre os adultos e a criança”. vol IV
FREUD, S. (2006). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago.
(1895) “Projeto Para Uma Psicologia Científica” v. III
(1900) “A Interpretação dos Sonhos (II)”, v. V
(1901) “Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana”, v. VI
(1905) “Os Chistes e Sua Relação com o Inconsciente”, v. VIII
(1906) “‘Gradiva’ de Jensen”, v. IX
(1911) Artigos Sobre Técnica e Outros Trabalhos. v. XII
(1914). "Recordar, repetir e elaborar", v. XII
(1915) “Artigos sobre a Metapsicologia”, v. XIV
(1920). "Além do princípio do prazer", v. XVIII
(1925) “Inibições, Sintomas e Ansiedade”, v. XX
(1926) “A Questão da Análise Leiga”, v. XX
(1937) Análise Terminável e Interminável, v. XXIII


quinta-feira, 4 de junho de 2015


DISCURSOS DE ÓDIO NO FAZER POLÍTICO


Artigo publicado por membros Fatais de Análise estampa a capa e matéria central da revista Psique Ciência e Vida ed 113.

Por Eduardo Lucas Andrade; psicanalista; psicólogo, membro ativo e fundador do Fatias de Análise. Palestrante, organizador e mediador de respeitados eventos. Escritor, autor de vários artigos. Professor convidado da Escola de Psicanálise de Minas Gerais e outros cursos. Trabalhador com experiência na área da saúde mental, social e clínica.E-mail: psicanaliseemcena@hotmail.com

 Gildásio Eustáquio Pinto; psicólogo e graduado em Letras pela (UNIFOR). Membro ativo e fundador do Fatias de Análise, pós graduado em Gestão de Pessoas pela PUC- MG, tem ampla experiência na gestão escoteira, escritor com vários artigos publicados.E-mail: gildasiopinto@yahoo.com.br









Poeta da Amazônia, Thiago de Melo disse ‘o caminho não existe, o caminho se faz caminhando’. Freud já havia nos adiantado que os poetas sabem de psicanálise e das questões do inconsciente, sabem tanto que escrevem e fazem arte e laços com elas. Entretanto eles não sabem que sabem. Freud utiliza da fábula do Esopo para apontar que a travessia é relativa aos passos de quem caminha e que a relação com o que chamamos de destino depende deste posicionamento.
Quanto ao dizer poético de Thiago de Melo, se este recorte não fosse somente um verso, seria um aforismo. O caminho é uma parte do desejo, não se caminha se não desejar. Para caminhar é necessário ao sujeito a permissão de ir e vir, uma passagem ao ato em sua própria escolha. São as escolhas que transformam ou alicerçam toda uma personalidade. E escolha é uma decisão política. Ato contínuo. Ato político.
A sabedoria dos gregos instaura uma cosmovisão de que o homem é um ser livre e que o pensar remete ideias de liberdade, ilusões de desejos, de onde vem a ideia das polis e das cidades governadas sob o princípio de que todos se servem juntos e são servidos. A cada cidadão cabiam direitos e deveres e eram exercidos com parcimônia e transparência. O termo Política é a síntese da boa governança. Seus desdobramentos, porém, são pontos para análise, pontos de atravessamentos humanos.
Cabe ao homem a difícil e trágica escolha. Ser ou estar. Numa analogia a Shakesperare que escreveu “Ser ou não ser, eis a questão”, a contemporaneidade remete-nos a uma complicada relação conosco e com outro. Em atenção à ética grega, vem o dilema: Eu sou? Eu estou? Sou um ser político ou estou um ser político? A diferença se traduz na acepção semântica interposta pelas duas palavras.
O ser político se insere em seu meio como um engajado a participar, cultivar, alargar, agregar oportunidades para si e para o outro. Ética grega. E em trocadilho: não estaria a aplicação política falando em grego? Esse é o desafio da alteridade no campo político. Desafio, pois, da forma que é conduzida a gestão política em nosso país cada vez mais fica evidenciado a postura egóica do político em exercício, bem como o estilo populista do agir politicamente. Por vezes não executam a política e sim o ego. E para não fugirmos da responsabilidade, pois falar não é sem consequência e se posicionar na política também não, o que fazemos são manifestações políticas ou procissões de egos?Novos caminhos
Durkeim, um dos pais da sociologia, diz que o ser humano encontra regras de conduta que não foram criadas diretamente por ele. Algo cantado por Titãs na música Estado Violência. O ordenamento massacrante do superego. Elementar. A Política é a ciência capaz de impor ao homem regras não criadas por ele e estas serem praticadas até hoje. A constituição da Inglaterra data de 1215 e os ingleses vão muito bem obrigado. Por um lado, a existência da regra torna-se o homem regido por uma lei, por outro há um impulso em derrubá-las. Freud apontava que o supereu, instância de cunho moral do aparelho psíquico, oferece contorno, mas é ambivalente, ao que protege, ameaça. Quanto ao impulso de derrubá-lo, Freud trabalha seus detalhes em Totem e Tabu no mito primevo. Aqui, reside o encontro das águas, de certa feita, o homem ser político atual não estar acordado com as regras vigentes, pois estas não atendem suas conveniências. Faz-se necessário buscar o caminho que leve a satisfação do querer moderno. O prazer de um lado, e suas adaptações de outro faz perder algo de sua essência.
O querer torna imperativo na conquista do espaço, na influência política, no aninhar de ideias que vão produzindo cada vez mais políticos preocupados com seu status quo do que, literalmente, com a vocação do ser político.
Em Guimarães Rosa, saboreamos “quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.” Eis uma tratativa em nos dizer que qualquer escolha que tomarmos, sempre nos apontaremos para aquilo que nos é base, a nossa convicção, e aquilo que é nosso desejo, a nossa convivência. Fronte a esta política, que a convite de Rosa não poderemos recusar a travessia e que não podemos fugir de nós mesmos, como nos posicionamos?
Voz política no Brasil
Não é da absurdez das coisas saber que o momento político brasileiro vai delineando contornos preocupantes. Já é discurso ultrapassado se é esquerda, ou direita. Nem mesmo comunistas metem medo. Militares, um retrato na parede, apesar de bandeiras nas janelas. Todas essas ideologias foram substituídas pela incrível capacidade de político se entregar a jogos caros de corrupção.
Rubem Alves compara o político a um jardineiro. Este cuida do jardim, local aprazível, de liberdade e poesia. O jardim é uma extensão da casa. O político cuida da casa. A casa é de todos. Cuidar é governar. É buscar soluções para conflitos, uma resposta para um dilema de alguém. O jardineiro com seu talento vai montando seu jardim, é algo restrito. O político é irrestrito, sua capacidade de se fazer o jardineiro de todos consegue suprir a falta, superar o desemparo. O sujeito é um ser da falta. O seu dilema é o desamparo. A política não pode fazer cessar o desejo, o lugar de sujeito e tampouco sua voz!
O cenário contemporâneo das relações humanas do Brasil e do mundo, nos últimos tempos, assim como historicamente, nos permite pensarmos o que é fazer política. Para tratarmos da política de um país e modelo de civilização é necessário termos estudado sua História. A história de vida de um país nos diz muito de seus mal-estares e configurações sociais.
É uma luta o ganho político! Não foi nada fácil chegarmos até aqui, termos conquistados o espaço para a voz e para a posição de sujeito nas decisões sociais. É suada a pedra angular no qual repousa a civilização. É uma batalha de sangue a aquisição do poder, da decisão e do movimento de uma nação.
O poder quando dividido a todos, tal como nos escritos da democracia, leva também a responsabilidade a todos e dela não podemos fugir. Temos vozes e temos que nos responsabilizar por elas, caso queiramos fazer política e nos posicionarmos nas construções que desejamos. Na política também é válida a indagação freudiana “qual sua participação naquilo que você se queixa?” (Freud, 1985) Este é um enigma ético para pensamos o lugar do sujeito na política, seja na política de seu sintoma, seja na política dos laços sociais. 
A Política das Massas
A psicologia das massas obstrui a análise do eu e é preciso escutá-la. Política se faz nas beiras e eiras da linguagem, dos afetos e suas propagações. É preciso falar e escutar para fazer política, caso contrário será dispêndio de um gozo, ainda que em meio a uma massa, egoísta nas plataformas da civilização que rompe com os laços sociais. Ainda que em meio a uma massa esse gozo egoísta poderá fazer “eco-ações” e descer degraus na civilização.
Ao falarmos de gozo em psicanálise estamos necessariamente falando de algo com caráter egoísta, satisfatório e destrutivo em si mesmo. Trata-se de uma satisfação exacerbada de um ‘Mais Além do Princípio de Prazer’ que obedece apenas os regimentos daquele corpo habitado psiquicamente pelas pulsões que lhe move. O gozo desconsidera o caráter político, desconsidera o lugar do outro. O gozo, advento pulsional, desconsidera o social, não faz laço e busca a qualquer custo certa destruição para satisfazer-se. Com gozo não se faz política, ainda que na política tenha quotas de gozos. O gozo é o excesso pulsional desabitado de linguagem, busca em seu traçado a destruição e uma economia libidinal zerada. A dita política do ódio, por exemplo, é uma destruição do fazer política, das vozes e das construções sociais.
Manifestações
O ato de manifestação é legítimo e necessário. Ainda que demande certo cuidado, podemos fazê-lo hoje em dia – mas nem sempre foi assim. Em psicanálise, temos que a manifestação deve ser escutada e elaborada após ser levado à clara por palavras o conflito do desejo. O mesmo acontece com as histerias e assim acontece com a política. A manifestação diz da posição do sujeito. Manifesta-se algo do desejo, da insatisfação, do conflito, da busca por algo novo. É o inconsciente ganhando ato, manifestado em ação e, neste caso, é necessário escutá-lo para algo no avanço político elaborar.
Podemos usar a manifestação de várias formas: para gozar, para promover meios ao desejo ou para relatar pedidos de socorro em formações inconscientes, algo do tipo do desamparo, “pai, não vês que estou queimando?” (Freud, 1900).
Em política também estabelecemos relação com a lei, com a ordem, com o superego e devemos fazer algo nosso com aquilo que herdamos dos restos do trono, proposta ética esta que Freud herdou do poeta. Temos uma formação de compromisso com a sociedade em que vivemos, e formação de compromisso em psicanálise nos faz pensarmos em uma retificação subjetiva. Dói para se organizar e ainda assim é impossível, mas pode tornar-se suportável e avançar ainda que manquejando.
Nas manifestações podemos ainda utilizar do ato político, irmos às ruas, batermos panelas, mas tudo será em vão, politicamente falando, se o gozo do ódio mutilar a cautela do avanço. Se isto for para não escutar é inválido para promoção política. Parece que em política todos querem ser escutados, mas poucos são os que realmente querem escutar e se comprometer com o que diz, e isto se torna uma problemática, pois trata apenas o excesso de afeto, não elabora nada que diga da relação com causa ou com construção de um novo fazer. Efeitos aos ares e se salva quem puder! Em política não pode ser assim. Temos que buscar a linguagem para retrilhar as ações.
O “trans-torno” político, que poderia ser uma bela palavra, movimento em volta, adoece justamente por não ir à causa, por tentar contornar apenas os efeitos, busca ética pela estética; e como fica o que deve ser feito, que arranham ouvidos e desassossega poderosos capitalistas e mestres da sociedade? A política deve provocar os detentores de toda espécie de poder e não fazer pactos cegos com estes. Política não é bonde para sintomas próprios é um arranjo dinâmico para viver em sociedade. É um pensar em todos, por todos e com todos, daí ser incessante. A política é a pulsão que carece de linguagem da civilização! 
O mal-estar e o estar mal na política
Na construção de civilização, renunciamos parcelas da descarga de ódios, realizações de desejos e possibilidade da impossível felicidade plena, em troca de parcelas de segurança e espaço para desejar, falar, tentar ser. A política é um dispositivo para lidar com os mal-estares na civilização, menção ao texto freudiano de 1927. A política é inerente à construção de vida e ao processo social. Não se vive sem política.
Entre atos e palavras podemos nos deparar com laços sociais, amores e ódios horrendos de neuroses individuais. Algo do tipo; ainda que gozo não se discuta é pela palavra que se faz a política. Ter gozo na política não significa que é com ele que se faz política. Política se faz com palavras não carregadas de gozo, mas carregadas de filosofia do viver em civilização.
O ódio na palavra busca silenciar, a palavra da política busca um modo de falar. A diferença é que, para se fazer política, não se pode eleger as palavrase carregá-las de ódio, tão somente. E, sim, na urna dos desejos, cada um deve eleger as palavras que apontam as faltas e que permitam a escuta. É com escuta, pela sintonia do mal-estar e no ritmo do repensar, que se faz política! Lastimavelmente, não é o que temos assistidos na maioria das vezes nas redes sociais e bancadas do congresso do nosso Brasil.
É preciso desbancar toda e qualquer bancada que estiver lutando pela segregação em nome do que for e que luta para impor os preconceitos. O estar mal posicionado na política só não soará hipócrita se nos comprometermos com a causa considerando que os desejos do país vão além dos nossos e que política não é para segregar e,ainda, que não cabe em qualquer que seja o desmedido preconceito. Preconceito grande é caldeirão vazio de ódio. Com pré-conceito a política torna-se inválida e perversa. Para esta bancada que em toda época, ora ali e ora aqui, que luta pela exclusão com máscaras políticas, fica o recado: “diga-nos o que tu negas que escutaremos quem tu és!”.
Falta, na política brasileira, talvez na mundial, a escuta e a humildade de assumir que o saber de toda a nação não é o nosso e que se não escutarmos e não abrirmos mão do narcisismo de partido não faremos política, faremos guerras das pequenas diferenças para somente depois fazermos algo verdadeiramente político. Estar em um partido sem estar na política é um estar mal na política e estar em um partido vedado por ele, estando na política é um mal-estar na política.
Vale destacarmos que o ódio do humano com a civilização, devido as renúncias, parece ser tão grande que muitos não conseguem usar da palavra na política sem antes atacar e reclamar. O “homem lobo do homem” quase sempre marca presença antes de entrar nos parâmetros da civilização, isto quando entra.
Na política o gozo do saber tem tomado conta um saber fechado, protótipo de uma ilusão da verdade. A verdade do sujeito não é verdade de uma nação. A sua verdade não é a verdade do país. A verdade política não existe. Pois, ali onde a verdade existir como ponto de fechamento a política é assassinada. A verdade é a hipocrisia narcísica daquele que se acha o umbigo da nação. É preciso que ali onde haja um ponto ilusório de verdade advenha construção social.
A briga de partidos é uma divisão no processo de defesa fronte à responsabilidade do país. É um travamento. Uma fixação. Ainda que a política seja não toda, ela não deve ser vista como jogo de partido. Não se resume a isto. A política começa justamente ali onde termina o processo eleitoral, deve ser causa de desejo nas facetas de encontros e desencontros da vida. A política toca em temas que “trans-tornam” o íntimo humano, sua saúde, desejo, andanças e tropeços. A urna é uma porta voz de nossas apostas, outras vozes são o que fazemos no cotidiano, é sutil a voz política do nosso dia a dia, temos que valorizar as sutilezas, seja na política, seja em nós mesmos.
O Brasil está passando por um momento interessante no uso de suas palavras, momento “peri-gozo”, talvez, mas que merece atenção. Por exemplo, pedir a intervenção militar, atacar os direitos humanos sem argumentos, não querer escutar e ainda crer que está fazendo política nos mostra um destino do ódio na palavra sem crítica, repleta de destruição, força contrária aos avanços que eles próprios dizemdesejar. Esta é talvez a pior corrupção, uma corrupção do próprio desejo.
Segregar para avançar?
Pedir intervenção militar e o ataque aos direitos humanos pede um capítulo à parte no jogo político e neste escrito. É inadmissível, vale repetir aqui, que pensemos em fazer política com segregações, preconceitos, e sem comprometimento. Um pouco de pensar, para lidar com o desejo, não faz mal.
Quando a política inclina-se a silenciar o sujeito, suas posições sejam elas quais forem, em prol de simplesmente gozo próprio, a psicanálise é convocada.
A exclusão perpassa ditas políticas de várias épocas com deslocamentos. Por exemplo, excluíram os loucos, por despreparo dos ditos normais. Excluíram os pobres e negros pela perversão da crença do poder. Excluíram os usuários de tóxicos e outros, por julgamentos preconceituosos. Excluíram e ainda querem excluir os homossexuais por dificuldades com a própria sexualidade. Excluíram todos aqueles que não fazem parte do ideal deles de civilização e se aceitarmos isto como condição política, quem restará e para onde iremos?
Fazer política é defender os direitos humanos, o resgate da dignidade da democracia, o estado laico e não permitir, tampouco autorizar, que a sexualidade própria ameace a construção dinâmica e polimórfica da vida em civilização. Fazer política desmorona certas ilógicas capitalistas que excluem os sujeitos. É pelo espaço da voz política que temos que buscar a promoção da dignidade humana. Somos responsáveis pela política em que vivemos!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FREUD, Sigmund. (1913). Totem e tabu e outros trabalhos Civilização (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XIII). Rio de Janeiro: Editora Imago
FREUD. Sigmund. (1914) Sobre o Narcisismo: Uma Introdução.(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XIV)Rio de Janeiro: Editora Imago.
FREUD. Sigmund. (1922) Além do princípio de prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos, (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XVIII) Rio de Janeiro. Editora Imago.
FREUD, Sigmund. (1930). O futuro de uma ilusão, o mal-Estar na Civilização e outros trabalhos (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XXI). Rio de Janeiro: Editora Imago.
ROSA; João Guimarães (1908-1967). Grande Sertão: Veredas. 1ªEd. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Biblioteca do estudante.

O poder da palavra: A política atravessa o campo humano de projeção ao mundo. A nossa mais eficaz ferramenta para transmissão de Política é a palavra. Política é algo que se discute, ou, caso contrário, como poderíamos promovê-la. Todavia, sabemos que as palavras são carregadas de afetos, destinos vários elas poderão encontrar, dizem de nossa posição de mundo e condição de momento. Perguntamo-nos ao assistir e participar do cenário brasileiro atual se toda palavra faz jus ao objetivo político. De imediato vem-nos a resposta; não! Nem toda voz é política, algumas são apenas barulhos de ódio. O destino do ódio na palavra não promove a política, promove alvoroço e “re-volta”, inclinação ao passado e presente de mídia, nada que leve a um novo futuro.